A “pressão social, o efeito do tempo e uma incerteza que teima em não se converter em convicção” fizeram com que a atriz Fernanda Nobre, aos 34 anos, enviasse seus óvulos para o congelador pelo preço de R$ 30 mil reais. “Me lembro do dia em que saí da clínica, logo após o procedimento. A sensação era a de driblar o tempo”, diz. Diagnosticada com endometriose, ela recebeu um ultimato de seu antigo ginecologista: “Você quer ser mãe? Se quiser, precisa ser agora”. A endometriose pode prejudicar a reserva ovariana, já supostamente comprometida para uma mulher de 34. Naquele momento, Fernanda não queria ser mãe. Três anos se passaram, a endometriose foi operada e o médico, substituído por outra profissional. Mas a pergunta, agora aos 37, ainda ecoa em sua cabeça. “Olho a minha vida e não vejo um filho. A verdade é que, até agora, a vontade de ser mãe nunca aconteceu. Pode ser que mude de ideia e queira mais pra frente? Pode. Assim como posso adotar, engravidar espontaneamente ou descongelar”, argumenta.
“É algo para quem tem estabilidade emocional. Senti como se estivesse numa TPM vezes 4”
FERNANDA NOBRE, ATRIZ
Após meses de uma vasta pesquisa sobre diversos tipos de procedimento, preços, pré e pós-congelamento, ela concluiu: “As pessoas desvalorizam demais o querer da mulher. Mesmo numa situação privilegiada como a minha, casada, empregada, saudável, sinto muita pressão. A sociedade exige a maternidade, mas não a ampara com políticas de igualdade de gênero dentro do trabalho ou auxílio gestacional. Assim como o governo não ampara os nossos filhos com educação de qualidade e saúde”. E continua: “A maternidade também é uma questão econômica para as mulheres. Atravessa nossas profissões e planos. Não é assim com os homens”. Seria então o congelamento uma despressurização? “Em termos. É, definitivamente, um recurso para quem tem poder aquisitivo e estabilidade emocional”, ela responde. No período em que fez a estimulação – a injeção de hormônios pré-retirada dos óvulos –, Fernanda se sentiu como “numa TPM vezes 4. Completamente abalada”.
A pandemia fez com que muitas mulheres repensassem a maternidade. Em 2020, clínicas particulares de fertilização viram a demanda pela técnica aumentar de 50% a 60% em relação ao ano anterior. Os dados foram obtidos com cinco delas (Neo Vita, Grupo Huntington, Dra. Carla Iaconelli, Umbigo Fertilidade e Ideia Fértil). Também em 2020, as buscas pelo termo “valor para congelar óvulos” cresceram 5.000% em comparação a 2019, segundo levantamento feito pelo Google Trends a pedido de Marie Claire. O Brasil se tornou ainda campeão na pesquisa pelo tema. “Até um passado recente, coisa de 30 anos atrás, as mulheres não tinham muita escolha. O destino para a maternidade era compulsório. Agora, ao menos na classe média, elas têm. Não falo de uma garantia de fertilidade, mas de alguma janela para estender o tempo”, avalia Eva Alterman Blay, socióloga e professora emérita da FFLCH-USP.
A mudança no comportamento femininino em um país como o Brasil, diz Eva, tem a ver com “o feminismo chegando em mais mulheres por conta da tecnologia, com a acessibilidade dos métodos contraceptivos e uma ruptura na noção de casamento”. “No nosso país, a ideia de casamento e família tem mudado, a muito custo, mas mudado. Estudar mais, fazer carreira, ganhar mais, ter independência e exercitar a liberdade. Tudo isso veio claramente postergar ou até negar a maternidade”, acrescenta. Estatísticas do Registro Civil, divulgadas em 2019 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), confirmam parte da tese da socióloga: 2018 registrou um aumento de 36% no número de nascimentos para mães entre 30 e 44 anos.
Jã a psicóloga e sexóloga Ana Claudia Simão aposta na tese de que estamos no fim da era do amor romântico, e que esse novo cenário teria mudado os sonhos das mulheres em idade fértil. “Para muitas, não existe mais a busca pelo homem provedor e protetor, e também está o.k. não casar com um cara para todo o sempre. Sem dúvida, a pandemia e o isolamento acentuaram essa reflexão, sem falar que mexe com a sensação da passagem do tempo. Afinal, tivemos ‘um ano perdido’. Então, há frustração [quanto ao ideal romântico], há o último ano não vivido ou pouco vivido, ao menos em termos sociais, mas há ainda muita informação. [Elas] congelam os óvulos pensando: ‘Tudo bem eu não encontrar um par, não preciso mais de um para ser mãe’.”
O procedimento para refrigerar as células reprodutoras existe há 30 anos, mas ganhou popularidade nos últimos 15, quando surgiu a vitrificação. A técnica fez com que houvesse uma diminuição nos óvulos desperdiçados na coleta – atualmente perde-se apenas 5% – e também barateasse o custo do procedimento. A popularização entrou para a história da medicina graças ao congelamento social, como a literatura médica define quando mulheres saudáveis como Fernanda aderem à prática para postergar a maternidade. Antes, a técnica era aplicada em casos excepcionais, como câncer e baixa reserva ovariana.
No Brasil, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) não contabiliza os óvulos congelados. A explicação, diz a ginecologista Letícia Piccolo, especialista em fertilidade e reprodução humana na Umbigo Fertilidade, é a de que existem questões filosóficas e religiosas envolvidas, “o óvulo não é considerado uma vida, mas uma célula fora do corpo”. Contudo, outro dado da Anvisa dá indícios de crescimento desse mercado. Em 2019, foram congelados 99.112 embriões para uso em técnicas de reprodução assistida, 11,6% a mais do que em 2018 (88.776). “Na maior parte das vezes, as mulheres optam por congelar óvulos e não embriões. Basicamente porque os embriões exigem a fecundação do óvulo com o espermatozoide. E nem todas as mulheres têm um parceiro ou querem congelar um embrião do parceiro atual. Elas podem também querer esperar o parceiro do futuro”, diz Letícia sobre a escolha entre congelar óvulos ou embriões.
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