Quando ouviu falar sobre congelamento de óvulos pela primeira vez, a dentista Fernanda Moreira de Campos Machado, 37 anos, de São Paulo, ainda estava casada. “Foi há seis anos. Eu tinha 31 e minha ginecologista comentou sobre o procedimento. Mas, na época, deixei de lado”, lembra. Depois, ela se separou e foi só com a chegada do novo coronavírus que repensou a possibilidade. “A pandemia fez a chave virar. Me vi sozinha e isolada. Percebi que filho faz falta. Eu sempre quis ser mãe, mas a covid-19 trouxe um senso de urgência maior”, explica.
Fernanda espera encontrar alguém para constituir família, mas diz que a possibilidade de “estender” o relógio biológico trouxe mais tranquilidade. “Fiz a coleta em fevereiro deste ano. Foram duas semanas de tratamento e deu tudo certo! É como se tivesse tirado um peso enorme das minhas costas. Foi instantâneo. Comecei a ver o meu futuro com mais clareza e segurança tendo essa ‘garantia congelada’. Penso que posso esperar por alguém até os 40, mas, se não acontecer, vou considerar a possibilidade de ser mãe-solo e realizar meu sonho sem depender de ninguém. Acho isso libertador”, conclui. Fernanda não foi a única. Segundo algumas das principais clínicas de reprodução humana do Brasil, a procura pelo procedimento se intensificou com a pandemia. “Já vinha crescendo nos últimos anos, mas, no decorrer de 2020, aumentou. Notamos um acréscimo de 20% na clínica”, afirma o obstetra Alfonso Araújo Massaguer, responsável técnico pela Clínica de Reprodução Humana Mãe (SP).
A ginecologista e obstetra Carla Iaconelli, especialista em Reprodução Humana da Clínica Elo Medicina Reprodutiva (SP), diz que a busca pelo procedimento cresceu a partir de maio de 2020. “Aqui, chegou a aumentar 50%. São pacientes que já tinham intenção de fazer, mas agora, sem a correria do dia a dia – ter de sair cedo de casa para trabalhar e pegar trânsito – e o fato de ficarem mais dentro de casa, tiveram um estímulo maior. Esse também foi um ano em que as mulheres, principalmente as solteiras, gastaram menos com viagens, restaurantes e entretenimento e, por isso, conseguiram poupar dinheiro”, explica.
Segundo a Sociedade Brasileira de Reprodução Assistida (SBRA), ainda não há dados consolidados em relação ao congelamento de óvulos em 2020. “Os números oficiais são divulgados a cada dois anos pela Rede Latino-Americana de Reprodução Assistida (Redlara), mas percebemos que a procura é crescente e mais: a busca pela utilização desses óvulos também vem aumentando. Foi um momento em que as pessoas ficaram mais tempo em casa e quem não tem filhos passou a refletir sobre a família”, explica Maria do Carmo Borges de Souza, diretora e membro do Conselho Consultivo da SBRA, presidente da Redlara e diretora médica da Fertipraxis Centro de Reprodução Humana.
A nutricionista Tatiane Martines Cariani, 32 anos, de São Bernardo do Campo (SP), congelou os óvulos em junho do ano passado e já usou uma parte no início deste ano. “Algumas amigas optaram pelo congelamento assim que a pandemia começou, e resolvi fazer também. Inclusive, até utilizei alguns desses óvulos. Optamos pela inseminação artificial por causa da idade do meu marido, que tem 44 anos, e pelo fato de minha reserva ovariana estar baixa. Estou grávida de dois meses e deixei óvulos congelados, caso queira ter outros filhos”, diz.
MATERNIDADE TARDIA
Segundo os médicos, em geral, o perfil de quem busca o congelamento é a mulher solteira, com alto nível de escolaridade e que deixou a maternidade para mais tarde, uma tendência em todo o mundo. No Brasil, dados divulgados em dezembro de 2020 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que aumenta cada vez mais o número de mulheres que decidem ser mães após os 30 anos. A taxa de nascimentos cujas mães tinham até 19 anos caiu 23,6% em dez anos. No mesmo período, aumentou 27,5% o número de mulheres que deram à luz entre os 30 e os 34 anos; entre os 35 e os 39 anos, o aumento foi de 63,6%; dos 40 aos 44 anos, a alta foi de 57%; na faixa dos 45 aos 49, de 27,2%; e entre as mulheres com mais de 50 anos, o incremento foi de 55%.
Apesar de a pandemia ter dado um empurrão na decisão, os principais motivos apontados para o adiamento da gestação, de acordo com a presidente da Sociedade Brasileira de Reprodução Assistida (SBRA), Hitomi Nakagawa, ainda é o fato de as mulheres não terem encontrado um parceiro, a plenitude profissional e o desejo de estabilidade financeira. A médica Ana Carolina Fuschini, 35 anos, conta que ficou noiva recentemente, mas ainda não pensa em filhos. “Não quero apressar a decisão por causa da idade. É uma escolha dos dois, tem de ser no momento certo. Então, optei pelo congelamento. A pandemia apenas acelerou uma ideia que eu já vinha amadurecendo no último ano. Isso me deu paz”, explicou. Já a empresária paulista Priscila Kaori Matsuzaka, 34, decidiu fazer o congelamento estimulada por amigas, ainda antes da pandemia. “Elas começaram a falar mais sobre engravidar ou congelar óvulos; eu nunca tinha pensado nisso”, diz. Mesmo depois de decidir pelo procedimento, foi somente na pandemia que encontrou tempo para colocar em prática. “Você precisa ter uma flexibilidade maior, pois são vários exames e idas à clínica”, disse.
DEDICAÇÃO E PACIÊNCIA
O procedimento pede disponibilidade mesmo. “A mulher menstrua e cerca de 14 dias depois, ovula. Então, nesses primeiros 15 dias, precisa ir com certa frequência à clínica para fazer exames, usar medicações injetáveis diárias e diversos ultrassons”, explica a obstetra Thais Domingues. Segundo ela, quanto mais tarde a mulher buscar o tratamento, mais chances de o processo ser longo e doloroso. “O ideal é coletar de 12 a 15 óvulos para ter boas chances de engravidar. Aos 30 anos, conseguimos isso facilmente na primeira tentativa, mas, a partir dos 35, muitas vezes, é preciso mais de uma retirada de óvulos para termos essa quantidade. Isso significa repetir todo o procedimento”, explica (veja quadro Passo a passo do congelamento de óvulos). No entanto, segundo os especialistas, a maioria das mulheres busca o congelamento a partir dos 34 anos.
Por conta disso, a clínica Huntington deu início a uma campanha de conscientização para que o assunto seja abordado com mais antecedência. “A ideia que queremos passar é que, se chegou aos 30 anos, a mulher deve buscar informações sobre sua fertilidade. Algumas podem esperar até os 35 para fazer o procedimento, outras, não. É preciso fazer uma avaliação da reserva ovariana (veja quadro Reserva ovariana: quando fazer e quais exames?)”, explica a obstetra Thais. “A mulher nasce com uma quantidade X de óvulos, que vai diminuindo ao longo dos anos. Além do volume, eles também perdem qualidade”, completa.
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